Masculinidades, saúde e autocuidado: pedir ajuda não te torna menos homem

Ao longo da história da humanidade, o homem veio sendo condicionado pela cultura e pela sociedade a exercer um papel social através de um modelo normativo de masculinidade, conhecido como masculinidade hegemônica, que define a masculinidade e o que é ser homem a partir de uma ótica conservadora. 

Dentro desse modelo, o da masculinidade hegemônica, encontram-se uma série de comportamentos que devem ser desempenhados pelos homens. Com isso, quanto mais próximo o sujeito que se entende como homem estiver dentro deste padrão de comportamento, mais ascensão, reconhecimento e validação social ele terá. Em contrapartida, quanto mais distante o sujeito estiver do padrão de comportamento estabelecido pelo modelo de masculinidade, mais ele será excluído, invalidado e invisibilizado.  

    E quem pode determinar quais homens serão mais ou menos excluídos?

Pode-se dizer que os principais fatores que marcam um lugar de mais ou menos privilégio seriam basicamente raça, classe, gênero, orientação sexual, saúde física e saúde mental, biótipo e etc, num primeiro momento. Ou seja, corpos brancos, cisgêneros, heterossexuais, magros, sem doenças físicas crônicas e ou agudas, sem transtornos mentais, jovens e que se situam numa classe social economicamente abastada são mais privilegiados do que, por exemplo, corpos negros, transgêneros, LGBTQIA+, gordos, PCD’s*, corpos adoecidos de forma crônica e ou aguda, que vivenciam um quadro de transtorno mental, idosos e aqueles que pertençam às classes economicamente baixas. Em outras palavras, o padrão hegemônico é branco, hétero, cisgênero, não possui deficiência, goza de saúde física e mental, é magro e é economicamente privilegiado. 

    E o que isso tem a ver com o adoecimento mental e físico dos homens na contemporaneidade? 

Acontece que o sujeito, ao se perceber e se entender como fora desse padrão pré-estabelecido, pode vir a sofrer psiquicamente tendo diversas formas prejudiciais de lidar com essa questão. Muitos podem buscar incansavelmente se encaixar nesse padrão, e alcançando-o ou não, acabar adoecendo psiquicamente/psicologicamente, o que pode também se relacionar com um adoecimento físico. Ademais, muitos homens podem evitar entrar em contato com seus sentimentos que evidenciam/tocam em suas fragilidades, medos e angústias, como uma forma de evitar sofrimento, e acabarem negligenciando sua saúde e autocuidado.

Falando em autocuidado, além de fatores econômicos, sociais, acesso à informação ou falta do mesmo, existem outras questões ligadas ao distanciamento do homem de seu autocuidado e elas estão relacionadas a uma outra série de padrões que influenciam a forma de pensar, agir e sentir dos homens. 


O autocuidado muitas vezes é associado erroneamente à vaidade e esse frequente equívoco distorce o que de fato a ação de cuidar de si mesmo significa: 

O cuidar de si é um conjunto de medidas tomadas pelo indivíduo que visam promover seu bem estar e a melhoria em sua qualidade de vida, que pode, às vezes, passar pelo campo de cuidados estéticos, caso o sujeito assim deseje, mas que não está ligado diretamente com esses procedimentos. Em razão disso, por conta de estarmos inseridos numa cultura que é machista e homofóbica, o homem que se aproxima desse lugar de olhar para si mesmo, de cuidar de suas necessidades e de se perceber necessitado de cuidados é muitas vezes associado à figura da mulher ou a do homem homossexual. E, para evitar ataques homofóbicos ou associação à imagem da mulher, muitos homens evitam de cuidar de sua própria saúde na tentativa de não ocupar esse lugar no qual sofrerá discriminação e violências.

Considerando isso, homens cisgêneros são impelidos, desde cedo, a não entrarem em contato com seus sentimentos, o que dificulta um bom desenvolvimento emocional ao longo de suas vidas. Então, performar o modelo de homem forte, inabalável, racional, protetor, provedor entre outras características é esperado e desejado pelo ideal da masculinidade hegemônica. Considerando isso, executar quaisquer características entendidas como femininas, torna-se motivo de questionamento da validade dessa masculinidade que, inclusive, é constantemente questionada. 

Ademais, fatores socioeconômicos podem afastar os homens dos cuidados com a saúde. Dados estatísticos de estudos recentes mostram que quanto mais marcadores sociais os homens possuem, menos acesso eles têm à serviços de saúde e de qualidade de vida, colocando, assim, a masculinidade do homem negro, jovem, pobre e periférico no lugar de maior vulnerabilidade reduzindo inclusive a sua expectativa de vida. 

Perceber-se como não pertencente ao grupo de masculinidades privilegiadas é um fator que pode afastar o homem de olhar para suas necessidades e cuidar em atendê-las, pois assumir que precisa de ajuda, de um tempo de descanso, que não está psíquica e emocionalmente ou financeiramente vai contra o que é esperado e imposto socialmente.  

A maioria dos homens já passou ou passa por momentos em que precisam de ajuda, mas muitos não sabem como ou por onde começar. Desenvolver autocuidado não é uma tarefa simples e sempre poderá ser aprimorada ao longo da vida. No entanto, o importante é dar o primeiro passo e buscar mais informações sempre que necessário para atender as suas necessidades. 

Por isso, nesse período de novembro azul aproveite para dar o primeiro passo em direção a uma melhor qualidade de vida e não deixe de cuidar de sua saúde. Faça o exame de rastreio e busque por ajuda profissional para saber mais sobre si mesmo e desenvolver um maior autoconhecimento de sua saúde física e psíquica, sempre realizando acompanhamentos periódicos se possível. Investir na sua saúde impactará positivamente em diversas áreas de sua vida, possibilitando vivenciar bons momentos com muito mais qualidade.

Enfim, é valido ressaltar que historicamente a saúde, no Brasil, sempre foi pensada em ser desenvolvida para atender aos grupos mais privilegiados desde o período colonial, o que tem afetado até os dias atuais o acesso desses homens de masculinidades não-privilegiadas e ou consideradas subalternas aos serviços de saúde, afastando em sua maioria homens negros, periféricos, transgêneros e homossexuais desses serviços. Muitos sofrem com transfobia, homofobia e racismo ao buscarem por suporte aos serviços de saúde, seja público ou privado, que nem sempre dispõem de profissionais despidos de preconceitos para atender as necessidades desses sujeitos que possuem suas masculinidades marginalizadas. Isso se deve muito à herança do pensamento colonial que visava atender à uma elite branca, rica, heterossexual e cisgênera.

No geral, os serviços de saúde voltado para homens ainda necessitam de uma estrutura mais ampla e abrangente para atender à toda diversidade de masculinidades existentes.


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Notas de rodapé:

* PCD's: Sigla para o termo "Pessoas com Deficiência".

**Masculinidades Subalternas: Termo cunhado por Michael S. Kimmel (1998) para se referir à relação de poder que a masculinidade hegemônica exerce sobre as masculinidades desviantes do padrão imposto.